quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O último a sair apague a luz




Noite dessas, voltava da aula e fiquei horrorizada com uma cena digna de trogloditas. Eu estava logo atrás de um ônibus intermunicipal que transporta estudantes do interior para Campo Grande e, um deles, ousou jogar pela janela uma lata de refrigerante. Estivesse um metro a frente, a lata teria pegado no meu carro e, como se não bastasse a lata descartada de forma errada e imoral, foi jogada também uma garrafa de água pela janela do mesmo ônibus.

Terminei o caminho para casa pensando que o problema da forma com que foi feita a licitação do lixo em Campo Grande sem envolvimento efetivo da população e a preocupação com a forma com que o lixo é descartado são problemas que chegaram ao topo de uma série de descasos ao longo de 1500 anos de história.

Chega a ser tolice pensar que alguém que não descarta o lixo no lugar correto irá se preocupar com uma licitação cuja cessão de direitos de recolher o lixo vai durar 30 anos.

Em tempos de informação em jornal, rádio, TV, internet, impossível um ser humano que diz estudante e se abala lá do seu mundo – que julga pequeno demais para si e por isso vem estudar aqui – não saber como descartar um lixo.

Dir-me-ão que o indivíduo – chamo-o assim porque cidadão não é – que lançou seu lixo pela janela não é daqui e não tem preocupação com o que acontece em nossa cidade. Respondo dizendo que o problema não é onde se mora; é como em ações como a dele se revela a conduta mesquinha das pessoas em relação ao cuidado com os bens comuns. Sim, porque preservar o meio ambiente – bem comum – passa necessariamente pelo modo como o lixo produzido é descartado.

Impressão positiva tive, porém, ouvindo uma história sobre como os japoneses são cônscios de seus deveres como cidadãos do mundo. Há muitos anos, um amigo estava fazendo um lanche em uma lanchonete no Japão quando viu uma fila enorme de japoneses de cabelos vermelhos e azuis, correntes penduradas por todos os lados, maquiagens pretas e roupas cheias de caveiras. Ao verificar onde a fila ia dar, descobriu que era para o descarte correto do lixo. Todos estavam com suas bandejas nas mãos; não iam somente jogar tudo na lixeira, iam jogar cada lixo na lixeira específica para aquele material.

Admirado, o expectador se levantou antes de terminar seu lanche e foi tirar uma foto. Queria ter como provar aqui no Brasil que sua história era verídica. Ao voltar a sua mesa, deparou-se com um vazio. Alguém entendeu que a mesa vazia com uma bandeja significava que tinham lanchado e ido embora. Pegou, então, a bandeja e se dirigiu à fila do descarte de lixo. Aqui no Brasil, seria um assalto. Assalto de lanche!

A mesma atitude inconsequente do estudante interiorano é vista também quando alguém resolve lavar a calçada de sua caça, seu carro – e pasmem – até a rua em frente a casa com água limpa, tratada. Pior que isso é que se alguém exigir que tal pessoa não use a água dessa maneira, que para isso armazene água da chuva ou use a água descartada pela máquina de lavar, ouve na melhor das hipóteses um mal-criado: “Tô pagando!

Na verdade, todos estão pagando! Todos pagam pelo recolhimento ou não do lixo; todos pagam pelo lixo que não é reciclado da forma correta, pois o fim do lixo mal descartado é a natureza e ela cobra alto por tal audácia; todos pagam pela água desperdiçada; todos pagam pela luz que milhares deixam acesa sem uso. Não é dinheiro do governo. É meu dinheiro. É nosso dinheiro! O governante é alguém eleito para administrar nosso dinheiro como queremos. É eleito para investir nosso dinheiro onde achamos que deve ser investido e, diga de passagem, tão displicentes somos que nem para isso nos atentamos, pois em vez de ele fazer exatamente o que queremos, faz o que bem entende... com dinheiro alheio. É o meio mais fácil de enriquecimento!

Voltemos ao assunto principal. Precisamos ter a cultura de respeitar os bens comuns, os direitos comuns. Não podemos nos valer da mediocridade do “Não foi comigo!”, “Não me senti ofendido!” ou, ainda pior, “Não sou eu quem está pagando!” Todos têm o dever moral e o direito constitucional de se manifestar contra o uso abusivo ou depredação de bens comuns até porque, mesmo que indiretamente, todos somos afetados pelo mau uso desses bens.

E, lógico, não tem como ter essa cultura se não houver verba – mais do que os 10% separados pelo prefeito de Campo Grande para a educação ambiental. Povo evoluído, povo educado é povo que tem bons administradores, preocupados com o desenvolvimento pessoal e moral de cada cidadão. É isso que forma uma nação digna de ser chamada cidadã.

Mas, se as coisas continuarem como estão, não demora muito e teremos de fechar o Brasil e ir embora. E deixar um aviso bem vistoso: “O ÚLTIMO A SAIR, APAGUE A LUZ. PELO MENOS DESSA VEZ!”

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Dengue oficial



No telefone:
- Tudo ótimo! Peguei dengue na semana passada e minha mulher está no hospital. Também está com dengue. Fora isso, tudo bem.
Por e-mail:
- Fiquei assustada ao ouvir as notícias sobre a dengue em Campo Grande.
No jornal:
“10584 casos de dengue notificados”
E assim, a cidade segue. Dengue é o assunto oficial. Dengue é a doença oficial de todo ano em Campo Grande. Parece até que, em nossa cidade, há uma disputa para ocupar o primeiro lugar no ranking de cidades que sofrem dessa epidemia. Dramático!
Mais do que dramática é a postura dos dois responsáveis por isso tudo, o povo e o poder executivo, que agem com hipocrisia.
Em pleno 2013, não há argumento que justifique o fato de alguém deixar juntar água parada em sua casa. Quem mais interessado do que o próprio morador para, em tempos de chuvas diárias, jogar fora diariamente a água que se juntou?
O povo está cansado de saber que quem paga por suas próprias falhas e pelas falhas do executivo é ele mesmo – o povo - e, ainda assim, continua sendo protagonista de suas desgraças.
Quando alguém deixa criar foco de dengue na sua casa ou em locais de seu acesso, está convidando o mosquitinho para sua casa e redondezas. Está pedindo para ficar 15 dias sem força até para respirar e um mês em restabelecimento até ficar completamente bem. Isso se não tiver suas plaquetas reduzidas a 50000, ter uma hemorragia e morrer.
E sabe o que isso prova? Que esse tipo de gente não tem amor nem à própria vida nem a vida dos entes que chama de queridos. Sim, porque se alguém expõe o que é chamado de ente querido a esse tipo de risco, pode-se falar com absoluta certeza que esse indivíduo não conhece nem o conceito de altruísmo, quanto mais o de amor ao ente querido.
Paralelamente, está o poder executivo que é eleito para cuidar do povo. Mas que só se lembra disso quando a situação chega à calamidade.
O que houve com o termo prevenção? Por que nunca um prefeito de Campo Grande trabalha com a prevenção?
Em qualquer empresa, fala-se em “adiantar-se aos problemas”, mas nenhum administrador da empresa “cidade de Campo Grande” pôs isso em prática. Ninguém pode controlar o Aedes aegypti fazendo algumas visitas nas casas só na época das chuvas. Isso porque o que se quer – ou, pelo menos, deveria – controlar com a fiscalização não é só a presença do inseto, mas mais do que isso: incutir na mente das pessoas a necessidade de não deixar criar em casa foco da doença. É condicionar as pessoas a terem constante cuidado com o espaço onde vivem e trabalham. É educar! Mesmo que isso demore décadas, tem de ser feito o ano inteiro. Todos os dias. Incansavelmente até ser parte da nossa cultura.
Parece utopia! Se os postos de saúde que deveriam ser equipados com recursos humanos e materiais para atender as pessoas diariamente não o são, imagine se um governante vai se preocupar em prevenir durante o ano inteiro uma doença que só acontece no verão?
E, de novo, o povo é responsável também por essa negligência em relação às omissões do executivo. Se o povo soubesse o poder que tem quando está unido, faria valer sua voz e obrigaria qualquer administrador público a cumprir determinadas coisas, entre elas, manter quadro permanente de servidores em número suficiente para fiscalizar as casas e todos os estabelecimentos o ano todo. Isso é administração inteligente.
Mas deixar a situação chegar ao ponto em que Campo Grande chegou, gastando diárias em hospitais com doentes de dengue e remédios e alimentação e tudo mais que um internado precisa -sem contar os casos de morte e o ônus que isso traz às famílias – é, indubitavelmente, mais caro do que prevenir.
Valendo-me de eufemismo, isso é, no mínimo, falta de inteligência, de discernimento e de bom senso.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O chapéu é meu!


Não basta o fato de ter gente que vive do lixo que produzimos, não basta termos de sustentar essas pessoas depois de o último prefeito fechar o lixão sem dar solução adequada para o sustento dessas pessoas. Precisamos agora sustentar também gente que ouviu do novo prefeito que será dado – mediante cadastro - salário mínimo para essas pessoas até elas estarem devidamente incluídas em programa de formação profissional ou trabalhando.
É assim que um rapaz de 20 anos que nunca ter trabalhou no lixão argumenta que vai sustentar seus dois filhos depois de ter perdido o emprego.
Ora, pagar para um salário mínimo a quem já trabalhava no lixão já é suspeito, porque o poder público é responsável pelo destino do lixo e não poderia permitir que seres humanos vivessem dele como acontece em Campo Grande. Isso prova que as falhas de organização e fiscalização do poder público são deploráveis e, por isso, pagamos duas vezes: nos impostos e agora com essa nova bolsa. Mas que uma pessoa que nunca trabalhou com reciclagem veja nessa atitude do prefeito um jeito de sustentar sua família não é aceitável.
Não se julga o fato de a pessoa escolher ter dois filhos aos 20 anos enquanto poderia ter escolhido primeiro ter uma formação e poder sustentar uma família; cada cidadão pode fazer as escolhas que quiser. O que não pode é esse cidadão fazer suas escolhas e a sociedade sustentá-las.
O argumento de que “Não teve como evitar!” não corresponde à verdade. Que pessoa informada a ponto de querer receber o salário que o prefeito vai dar aos trabalhadores do lixão sem ter direito a ele não sabe que existem meios de se evitar uma gravidez? Cônscio de seus “direitos”, não sabe que os postos de saúde na capital dão a cada pessoa cadastrada no SUS três camisinhas por semana? E cá entre nós, quem não tem cacife para sustentar uma família, que não faça uma.
Cortesia com chapéu alheio é o que também acontece nas casas que a prefeitura financia para pessoas de baixa renda. O que cada beneficiado vai pagar ao longo de toda sua vida não paga o gasto total com a habitação que recebeu. Sabidamente, o dinheiro que a prefeitura usa para pagar essas construções é do povo que supostamente consciente elegeu pessoas para executarem planos para a cidade. Pressupõe-se que se sabe serem elas capazes de fazer uma administração pública promovendo o bem dos moradores, implantando políticas que melhorem a vida de todos, desde o bom funcionamento da saúde pública até a educação e habitação.
Sabe-se também que apesar de tudo isso, há fraudes. Pessoas fantasmas – o que é em si um paradoxo – recebem casas. E, de novo, não bastando isso, muitas pessoas que recebem essas casas se acham no direito de venderem-na.
Então, alguém é beneficiado por um programa do governo, recebe o direito de morar numa casa que custa em torno de R$ 35.000,00, os quais serão pagos em pelo menos 20 anos e, em menos de um ano de moradia e pagamento, vendem a casa. Ou seja, apoderam-se de R$ 35.000,00 que não são seus e barganham-no do jeito que bem entendem.
Para agravar a situação, os que não vendem a casa não pagam o IPTU. Acham que são pobres e que não têm que pagar o imposto.
O que há de errado com esse tipo de conduta do povo brasileiro?
Infelizmente, a resposta grita: a quantidade de pessoas em posição de destaque que dão mau exemplo e que geralmente sai impune é tanta que o povão agora acha que esse é o caminho a seguir e que fazer empada com a azeitona alheia é o caminho mais curto para seu próprio bem-estar. Para quê trabalhar se posso me inscrever em qualquer um dos programas do governo e, assim, levar a vida? Para quê cumprir o contrato de habitação se posso ganhar dinheiro em cash vendendo o que ainda não é meu? Não há fiscalização nem controle e isso, num país que sequer ouviu falar no Contrato Social de Russeau, é um convite a essas “corrupçõezinhas” que historicamente viram mensalões.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Ave, Ravel!


Há algum tempo, ouvi atentamente uma descrição que, na hora eu soube, ficaria guardada na memória como um sonho a se realizar.
De férias, alugamos um carro e saímos à procura da imagem de onde nasceu a tal descrição: um pôr-do-sol ao som de Bolero de Ravel. Era um passeio que não podia deixar de ser feito em João Pessoa. E lá fomos nós.
No caminho, um emaranhado de ruas, de carros e de gentes. Ser forasteiro tem lá seus contratempos. Mas, nada poderia nos impedir de assistir ao que tinha sido anunciado.
Quando chegamos ao tal lugar, o desconhecido somado à imagem que tínhamos na mente ia tomando uma proporção gigantesca tal qual o rio que corria a nossa frente. Entramos em uma das lanchonetes cuja estrutura fica dentro do rio e, apesar de ter um mundaréu de gente disputando um pedacinho de chão para ver um universo de água, achamos um lugar, sentamo-nos e a cortina foi se abrindo.
Majestoso, vimos o Sol, assustador de bonito. Um pouco pra lá da outra margem do rio Paraíba – lá onde há um triângulo amoroso entre céu, sol e horizonte - e maior do que costumamos ver no Mato Grosso do Sul, seu brilho brincava com as ondinhas do rio, criava um contraste de chiaroscuro de dar inveja a Rembrandt e nos envolvia em encantos mil.
Suave e lentamente, entraram no cenário as primeiras notas do Bolero de Ravel. O som de um sax alto começou a encher o arrebol e o murmurinho de tantos olhos curiosos aumentou e o sol brilhou um pouco mais e todo ser vivente naquele pedaço de mundo parou para reverenciar tamanha beleza.
Parece que o sol paraibano fica esperando o Bolero de Ravel para ceder lugar à noite que vai chegando de mansinho. O céu vai se pintando de uma cor rosada; as nuvens qual areia da praia cuja maré baixou se deixam colorir também e, na menina de cada olhar, há um brilho dourado que emana do íntimo de cada ser.
No meio do rio, como uma sombra pequenina, uma canoa e o saxofonista. Através dele, o som se espalha e alcança o recôndito de cada criatura.
Nenhuma palavra seria capaz de descrever exatamente o que se sente nesse momento. As palavras somem e a única coisa que se pode fazer é sentir. Porque sentir não carece de palavras. A alma da gente começa a encher de lágrimas; sentimo-la se curvar e se inebriar de cores, sons e emoções. A magia é tanta que quem viveu aquele momento sente vida nova dentro de si.
Ao fim do Bolero, já era noite. O sol se foi, a luz do dia apagou, mas o povo, em festa, continuava cantando a vida com todo o seu matiz.
Aos poucos, as palavras foram voltando... Comecei a pensar no meu Mato Grosso do Sul, no esplendor do Pantanal, nos rios tão ricos que não há outro igual. Terra de chalanas e amores, de trem do Pantanal e de coração que bate desigual...
Olhando aquele mar de gente, estrangeiros e brasileiros de todos os rincões, não posso deixar de comemorar o que é uma boa e simples ideia. Um rio, o pôr-do-sol, um saxofonista e um governo esperto que forneceu a infraestrutura...
Pensei no quanto de belezas naturais nós temos. Mais rios, mais bichos, pores-do sol mais rosados dos que o que vejo cá. Pensei nos músicos da nossa terra capazes de executar Ravel e Índia, Ave Maria e Trem do Pantanal. Pensei no valor que isso pode agregar ao turismo regional. No quanto a curiosidade pelas belezas do nosso estado será aguçada ao se espalhar aos quatro ventos que todo dia, por exemplo, às 18h, à beira do rio Paraguai em Corumbá, toca-se a música tal e mais uma ou duas músicas regionais.
Mesmo o mundo atual sendo regido pelo consumismo, muitas pessoas têm descoberto o valor de momentos como esse. Há uma conscientização lenta, mas progressiva de que o ter não é suficiente para satisfazer o ser humano. Está havendo um reconhecimento de que comprar é um grande buraco sem fundo: compra-se hoje um objeto, amanhã ele já não é mais novo e o consumista logo precisa colocar um novo objeto no lugar do que foi comprado ontem. Não há prazer genuíno nem duradouro. Não há nada nesse compra-compra que acarinhe a alma e traga-lhe sossego. Há, sim, uma eterna escravidão.
Artistas, vamos compartilhar a paz que há em nossa terra, seja na música, na poesia ou na pintura. Vamos dividir com o mundo o espetáculo que a natureza nos oferece e a oportunidade que ela nos dá de participar dele com nossos talentos. Vamos propagar o Pantanal do Mato Grosso do Sul com seus encantos e beleza!
Lavada e enxaguada, termino dizendo que é indescritível ver o sol se pondo ao som de Bolero de Ravel às margens do Paraíba em João Pessoa. Espetáculo de rasgar a alma de tanta emoção. Poético até a última gota daquela imensidão de água. Poético até a inquietante última nota do Bolero. Imagens que levarei comigo para sempre.
E agora, depois de ter presenciado aquele espetáculo dos deuses, tenho certeza de que podemos fazer nosso próprio espetáculo. Sei que cada imagem que propiciarmos ao mundo ficará cravada na alma de quem a vir. Sei que isso é mais do que turismo; é dar a oportunidade de as pessoas conhecerem o prazer no que é imaterial e que, por isso mesmo, é eterno.






sábado, 5 de janeiro de 2013

Direito à imagem


Todos sabem e, por isso falam, que o brasileiro não sabe reivindicar seus direitos. Parece haver um plano silencioso - e só por isso já cheira mal - de empresas para burlar direitos constitucionais contando com a triste e generalizada inércia.
No entanto, há uma tímida esperança, quando alguns professores de Direito usam experiências pessoais para sugerir a conduta do cidadão na busca de seu direito. Para eles, que conhecem leis e sabem identificar onde seu direito está sendo lesado, a luta pode ser facilitada.
Constituição pra lá, direito processual pra cá, um fato recente minou enormemente a sombra de esperança na conduta de um desses mestres como modelo civil.
Dia de prova, após meses de dedicação à matéria, cheguei à faculdade pronta para o embate com as questões e para o maior desafio do estudante: provar a si mesmo – e não ao professor! – que tem domínio sobre o conteúdo ensinado.
O professor começou a montar um tripé, ao qual acoplou uma filmadora apontada para a classe. Sem mais nem menos. Sem autorização dos alunos, da escola e sem nenhum respeito pelo direito à privacidade ou à imagem.
Era o mesmo professor que, dias antes, vedara, por razões desconhecidas, a coleta de imagens de sua aula.
Soube por uma colega que o professor informara que filmaria a turma no dia da prova para, no momento da correção, conferir quem olhou para o lado, o que, em si, não contém nenhuma ilicitude.
Em meio a teorizações sobre o movimento de cabeça de quem cola, afirmou que aquela conduta fazia parte de sua rotina pedagógica.
Informada por algum dos alunos, uma representante da coordenação do curso veio à sala conferir e interpelar o professor sobre sua inusitada iniciativa. Com arrogância e, de certa forma, desconcertado ao ter de explicar perante a coordenadora e os próprios alunos seu bizarro misto de invasão de privacidade com lesão à cidadania, o professor disse que tinha avisado a classe.
– Avisar não é ter a permissão! – gritou alguém, apimentando um pouco mais a já constrangedora situação.
– Vocês gravam minhas aulas! – redarguiu o dublê de advogado e professor.
A verdade é que nada resultou do acalorado quiproquó, como sempre acontece nesses confrontos onde a principal vítima é a cidadania. A tal mulher saiu sem tomar nenhuma decisão, os mais de cem alunos presentes quedaram-se em constrangedor silêncio e o professor, aparentemente, não foi desestimulado de sua experiência.
Aparentemente, porque, após severa reprimenda aos alunos, informados sobre “quem mandava na sala”, acabou confessando que a câmera não estava filmando, informação que piorou o clima entre estudantes e mestre.
Afinal, entre alunos e professores adultos, em uma faculdade de Direito, não faz nenhum sentido uma simulação como aquela, especialmente, porque gera desconfiança no corpo discente e mostra insegurança pedagógica.
Sob ameaça de que uma próxima prova seria mais rigorosa do que aquela, os alunos terminaram a noite estranhando bastante o fato de alguém prometer em tom de vingança fazer algo que é obrigado pelas normas educacionais e trabalhistas.
No episódio, restou claro que o professor não tem segurança na aferição do que ensinou e, a julgar pela falta de reação dos alunos, diante de uma flagrante violação de seus direitos constitucionais, a turma não renderá advogados combativos.
Não defendo, aqui, o direito à cola e, sim, o direito de ter a imagem resguardada.
Pergunto-me se valia a pena lutar sozinha ou com um ou dois alunos mais contra a iniciativa do professor. Penso que o prejuízo seria meu, pois faria a prova de cabeça quente, qualquer que fosse o resultado da pendenga.
Como diria o antigo e respeitado mestre Pontes de Miranda, estava errado o professor.
Fiz a prova, que tinha questões objetivas e a maior parte, dissertativas, sozinha de pessoas, de livros, de internet – e, sobretudo, de professor.
Algumas lições do episódio: um professor de Direito Constitucional que não respeita a imagem e a privacidade de seus alunos; uma escola que, mesmo sabendo do fato, não toma nenhuma decisão a respeito; 130 futuros advogados inertes diante da vergonhosa violação de suas prerrogativas.
Vale dizer: o simples conhecimento do direito não significa barreira quando se quer violar direito alheio, nem autodefesa contra o arbítrio.
Para encerrar, dois registros: primeiro, os fatos acima não são fictícios, embora a fictícia liberdade de expressão que desfrutamos no Brasil me obrigue a silenciar nomes e siglas.
E, segundo: fui muito bem na prova, obrigada.