terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O próximo desconhecido


Mal pude conter as lágrimas que me alagoaram os olhos quando ouvi que o Chile estava enviando pele humana para as vítimas de queimadura grave da tragédia de Rio Grande do Sul, e que médicos canadenses, por serem especialistas em desintoxicação pulmonar, estavam vindo ao Brasil para tratar dos sobreviventes.
De minuto em minuto, tudo que se ouvia era o número de vítimas aumentando, a polícia juntando cinzas na tentativa de resgatar alguma prova, dono da boate sendo preso e, sobretudo, a dor dos pais gritando tamanho sofrimento.
No meio de tanta prova de ganância – economizar em segurança - e de ilicitude – abrir o estabelecimento para o público sem os alvarás em dia -, ouve-se que um país sente a dor dos familiares e amigos das vítimas e, num gesto de extremo altruísmo, abre mão de sua reserva de pele humana para socorrer os que conseguiram – e os que conseguirem – escapar com vida, mas não ilesos. Outro, cônscio de que sua expertise ajudaria os sobreviventes, atravessa as Américas para o bem-vindo e necessitado apoio médico.
Esse gesto prova que há, no ser humano, um quê de generosidade, de compaixão. De olhar para o outro e se comover a ponto de dispor de suas reservas, guardadas para seu momento de infortúnio, e doá-las ao que precisa naquele momento. Prova que há, nesse mesmo DNA capaz de desviar doações a vítimas de enchentes, um gene que nos move em direção ao outro.
No livro Pequeno tratado das grandes virtudes, André Comte-Sponville, filósofo francês, afirma que “a generosidade trata de agir, e não em função de determinado texto, determinada lei, mas além de qualquer texto, além de qualquer lei, em todo caso humana, e unicamente com as exigências do amor, da moral ou da solidariedade.”
Que lei obrigava um país a ajudar o Brasil num momento desses? Sobretudo, porque o que aconteceu não foi um incidente a que todos estão sujeitos; foi o infeliz desfecho da sequência de atitudes, no mínimo, egocêntricas. Ainda assim, sem pedido, sem esperar que passasse tempo até saber quantos sobreviveriam para precisar do transplante de pele, o Chile simplesmente agiu, sem regras e sem sanções para o caso de não fazê-lo.
Note-se que a atitude dos chilenos e dos canadenses não é de piedade, que não passa de uma tristeza que se sente em virtude da tristeza do outro, o que nem resolve essa tristeza nem justifica aquela. Houve neles atitude sem obrigação, sem tratado internacional. Pura e simplesmente generosidade.
Há também, na atitude desses dois países, a compaixão que, segundo Comte-Sponville “é o amor enquanto afeta o homem de tal sorte que ele se regozije com a felicidade de outrem e se entristeça com seu infortúnio.” Para ele, enquanto a piedade é vertical e envolve desprezo – é uma tristeza que despreza o outro -, a compaixão é horizontal e envolve respeito, porque só tem sentido entre iguais; ela realiza essa igualdade entre aquele que sofre e aquele que compartilha de seu sofrimento. Enquanto a piedade é só uma tristeza, sem capacidade de mudar a tristeza alheia, a compaixão é amor e, portanto, alegria. Isso não impede que fiquemos tristes ao ver alguém que amamos sofrer, mas é uma tristeza preocupada em ajudar, não em desprezar.
Fica simples entender o conceito de compaixão com a conhecida frase: “E se fosse eu?” Carregamos em nosso DNA a capacidade de nos fazer imaginar o que sentiríamos se estivéssemos no lugar do outro, de absorver sua dor e, então, de agir a fim de, ao menos, amenizá-la.
Atitudes como essas provam que, na essência do ser humano, há vícios e virtudes. Menos estas do que aqueles. No entanto, quando as virtudes se mostram, convenço-me de que há esperança – pouca, mas há – para que o homem torne o mundo um lugar menos hostil para si e consequentemente, mais virtuoso em benefício de todos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário