quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O toque do mestre


Comumente, optamos por falar do que está errado, o que não é muito difícil visto que um rápido olhar sobre a sociedade e a política nos revela a essência do ser humano que se descaminha.

Hoje, empolgada com uma leitura, voltei a pensar numa coisa que, embora eu saiba que na prática não tem acontecido, acredito que se tivermos tal postura, transformaremos a sociedade em que vivemos em pensadores, cientistas, políticos, médicos ou o que quer seja, mas acima de tudo, transformá-la-emos em pessoas íntegras.

Embora a leitura a que me referi seja sobre genética, (o texto conta a história do DNA desde os primeiros estudos de Mendel sobre as características das ervilhas que ele cultivava até chegar ao tratamento e prevenção de doenças genéticas) o que mais intrigou durante a leitura – que ainda não acabou – foi o fato recorrente de, além de todos os pesquisadores do DNA terem tido no segundo grau um professor que lhes falou uma simples frase: “Acho que você leva jeito para Biologia.”, terem passado por um Clube de Ciências na escola. O Clube de Ciências da escola Abraham Lincoln nos EUA, por exemplo, gerou três prêmios Nobel e os três tiveram a mesma professora no clube, a quem todos renderam homenagens quando do prêmio.

Isso me fez recordar a história de um amigo que no início do segundo grau foi interceptado por um professor que, vendo sua dificuldade com algumas matérias, transferiu-o para o curso de Contabilidade onde, a seu ver, ele se daria melhor. Durante o curso, estudando noções de Direito, outro professor lhe disse que ele deveria pensar em estudar Direito, pois ele tinha habilidades que poderiam ser muito bem usadas nessa área e o professor estava certo. Os dois professores estavam certos: aquele menino, além de posteriormente dar aula no curso de Contabilidade, tornou-se um grande advogado.

Daí, ocorre-me a importância da verdadeira missão do professor. A maioria só está preocupada em cumprir o currículo. Aliás, o governo parece estar preocupado só com isso como se isso fosse suficiente para viver. Mais do que cumprir a grade curricular, o professor precisa encantar o aluno ou, pelo menos, não lhe pôr terror. Encantá-lo com sua própria matéria, mostrar-lhe como ela é importante para se compreender o meio em que vivemos. Encantá-lo com sua conduta como profissional mostrando-lhe seu envolvimento com sua profissão e ainda, se nada disso der certo com todos os alunos, o professor tem o dever moral de não fazer o aluno ter pavor de sua matéria.

Digo isso, porque acredito que, no decorrer da vida, cada pessoa se permite um jeito de lidar com a ciência com que não teve afinidade no colégio. Quem não teve grandes momentos com a matemática pode aprender música, por exemplo; quem não se entendeu muito bem com Biologia pode se encantar com o ciclo de vida da planta ao cuidar de seu jardim. E por aí vai...

A verdade é que a missão mais importante do professor é orientar e, para isso, há que se observar. Cada aluno tem uma personalidade, um talento, uma aptidão e o professor que está com esse menino todo dia, com um pouco de sensibilidade, consegue perceber qual talento ele tem. Além disso, o professor ainda goza de um privilégio: ter contato com muita gente e ter a chance de ser ouvido. Todos - uns mais cedo, outros mais tarde - param para ouvir o que ele tem a dizer. Essa é a deixa.

Como professores, temos um compromisso social: injetar na sociedade seres humanos com algumas habilidades desenvolvidas e com a motivação à flor da pele. Pessoas que farão descobertas nas várias áreas, seja na saúde ou na física; umas que implementarão políticas públicas de relevância; outras que cuidarão de doentes de forma digna; outras ainda que acabarão tão tocadas pela conduta do professor que quererão tornar-se um, repassando o que aprenderam – não por genética, mas por influência do meio – com o mesmo encanto com que foram envolvidos no colégio.

É tempo de nos perguntarmos: o que estamos formando? Entendo que, na maioria das escolas públicas do país, falta estrutura para ensinar Ciências. Não há um Clube de Ciências. Pior do que isso: não há laboratório equipado. Nem de Biologia, nem de Química, nem de Física, muito menos de Línguas. Não há sequer uma sala equipada para o ensino da Matemática. Aliás, não é incomum faltar giz e apagador na sala de aula. Data show? Tem que marcar um dia com duas semanas de antecedência porque só tem um para a escola inteira e, ainda assim, o professor corre o risco de chegar no dia D preparado e não poder ministrar sua aula com o recurso que reservou no prazo exigido.

Ainda assim, precisamos pensar no que estamos formando. Tendo ou não a estrutura desejável para ensinar, encantar e orientar, precisamos fazê-lo. Nem todos os grandes cientistas tiveram facilidade para serem o que são. Uns tiveram que lidar ainda na adolescência com o fato de a família estar indo à ruína por conta da perda do pai. Outros tiveram de ir contra a maré do meio em que viviam marginalizados e em direção ao mundo do crime até alcançarem o estrelato científico. O próprio Mendel não conseguiu nem ser pároco; desiludido foi ser professor, mas não conseguiu ser classificado no exame necessário para que se pudesse lecionar e, ainda assim, iniciou seus estudos sobre hereditariedade em 1856 que só seriam alcançados pela comunidade científica em 1900.

Ao desempenhar a função de professor diante de um cenário nada amigável para o ensino, temos de usar a adversidade para fortalecer o aluno e fazê-lo chegar, se não ao prêmio Nobel, a uma profissão e a uma conduta ética, ambas transformadoras de seu tempo e da sociedade em que vive. Essa é a maior herança que podemos lhes dar!








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