Comumente, optamos por falar do
que está errado, o que não é muito difícil visto que um rápido olhar sobre a
sociedade e a política nos revela a essência do ser humano que se descaminha.
Hoje, empolgada com uma leitura,
voltei a pensar numa coisa que, embora eu saiba que na prática não tem
acontecido, acredito que se tivermos tal postura, transformaremos a sociedade
em que vivemos em pensadores, cientistas, políticos, médicos ou o que quer
seja, mas acima de tudo, transformá-la-emos em pessoas íntegras.
Embora a leitura a que me referi
seja sobre genética, (o texto conta a história do DNA desde os primeiros
estudos de Mendel sobre as características das ervilhas que ele cultivava até
chegar ao tratamento e prevenção de doenças genéticas) o que mais intrigou
durante a leitura – que ainda não acabou – foi o fato recorrente de, além de
todos os pesquisadores do DNA terem tido no segundo grau um professor que lhes falou
uma simples frase: “Acho que você leva jeito para Biologia.”, terem passado por
um Clube de Ciências na escola. O Clube de Ciências da escola Abraham Lincoln
nos EUA, por exemplo, gerou três prêmios Nobel e os três tiveram a mesma
professora no clube, a quem todos renderam homenagens quando do prêmio.
Isso me fez recordar a história
de um amigo que no início do segundo grau foi interceptado por um professor
que, vendo sua dificuldade com algumas matérias, transferiu-o para o curso de
Contabilidade onde, a seu ver, ele se daria melhor. Durante o curso, estudando
noções de Direito, outro professor lhe disse que ele deveria pensar em estudar
Direito, pois ele tinha habilidades que poderiam ser muito bem usadas nessa
área e o professor estava certo. Os dois professores estavam certos: aquele
menino, além de posteriormente dar aula no curso de Contabilidade, tornou-se um
grande advogado.
Daí, ocorre-me a importância da
verdadeira missão do professor. A maioria só está preocupada em cumprir o
currículo. Aliás, o governo parece estar preocupado só com isso como se isso
fosse suficiente para viver. Mais do que cumprir a grade curricular, o
professor precisa encantar o aluno ou, pelo menos, não lhe pôr terror.
Encantá-lo com sua própria matéria, mostrar-lhe como ela é importante para se
compreender o meio em que vivemos. Encantá-lo com sua conduta como profissional
mostrando-lhe seu envolvimento com sua profissão e ainda, se nada disso der
certo com todos os alunos, o professor tem o dever moral de não fazer o aluno
ter pavor de sua matéria.
Digo isso, porque acredito que,
no decorrer da vida, cada pessoa se permite um jeito de lidar com a ciência com
que não teve afinidade no colégio. Quem não teve grandes momentos com a
matemática pode aprender música, por exemplo; quem não se entendeu muito bem
com Biologia pode se encantar com o ciclo de vida da planta ao cuidar de seu
jardim. E por aí vai...
A verdade é que a missão mais
importante do professor é orientar e, para isso, há que se observar. Cada aluno
tem uma personalidade, um talento, uma aptidão e o professor que está com esse
menino todo dia, com um pouco de sensibilidade, consegue perceber qual talento
ele tem. Além disso, o professor ainda goza de um privilégio: ter contato com
muita gente e ter a chance de ser ouvido. Todos - uns mais cedo, outros mais
tarde - param para ouvir o que ele tem a dizer. Essa é a deixa.
Como professores, temos um
compromisso social: injetar na sociedade seres humanos com algumas habilidades
desenvolvidas e com a motivação à flor da pele. Pessoas que farão descobertas nas
várias áreas, seja na saúde ou na física; umas que implementarão políticas
públicas de relevância; outras que cuidarão de doentes de forma digna; outras
ainda que acabarão tão tocadas pela conduta do professor que quererão tornar-se
um, repassando o que aprenderam – não por genética, mas por influência do meio
– com o mesmo encanto com que foram envolvidos no colégio.
É tempo de nos perguntarmos: o
que estamos formando? Entendo que, na maioria das escolas públicas do país,
falta estrutura para ensinar Ciências. Não há um Clube de Ciências. Pior do que
isso: não há laboratório equipado. Nem de Biologia, nem de Química, nem de
Física, muito menos de Línguas. Não há sequer uma sala equipada para o ensino
da Matemática. Aliás, não é incomum faltar giz e apagador na sala de aula. Data show? Tem que marcar um dia com
duas semanas de antecedência porque só tem um para a escola inteira e, ainda
assim, o professor corre o risco de chegar no dia D preparado e não poder
ministrar sua aula com o recurso que reservou no prazo exigido.
Ainda assim, precisamos pensar no
que estamos formando. Tendo ou não a estrutura desejável para ensinar, encantar
e orientar, precisamos fazê-lo. Nem todos os grandes cientistas tiveram facilidade
para serem o que são. Uns tiveram que lidar ainda na adolescência com o fato de
a família estar indo à ruína por conta da perda do pai. Outros tiveram de ir
contra a maré do meio em que viviam marginalizados e em direção ao mundo do
crime até alcançarem o estrelato científico. O próprio Mendel não conseguiu nem
ser pároco; desiludido foi ser professor, mas não conseguiu ser classificado no
exame necessário para que se pudesse lecionar e, ainda assim, iniciou seus
estudos sobre hereditariedade em 1856 que só seriam alcançados pela comunidade
científica em 1900.
Ao desempenhar a função de
professor diante de um cenário nada amigável para o ensino, temos de usar a
adversidade para fortalecer o aluno e fazê-lo chegar, se não ao prêmio Nobel, a
uma profissão e a uma conduta ética, ambas transformadoras de seu tempo e da
sociedade em que vive. Essa é a maior herança que podemos lhes dar!
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