Todos
sabem e, por isso falam, que o brasileiro não sabe reivindicar seus direitos. Parece
haver um plano silencioso - e só por isso já cheira mal - de empresas para
burlar direitos constitucionais contando com a triste e generalizada inércia.
No
entanto, há uma tímida esperança, quando alguns professores de Direito usam experiências
pessoais para sugerir a conduta do cidadão na busca de seu direito. Para eles,
que conhecem leis e sabem identificar onde seu direito está sendo lesado, a
luta pode ser facilitada.
Constituição
pra lá, direito processual pra cá, um fato recente minou enormemente a sombra
de esperança na conduta de um desses mestres como modelo civil.
Dia
de prova, após meses de dedicação à matéria, cheguei à faculdade pronta para o
embate com as questões e para o maior desafio do estudante: provar a si mesmo –
e não ao professor! – que tem domínio sobre o conteúdo ensinado.
O
professor começou a montar um tripé, ao qual acoplou uma filmadora apontada
para a classe. Sem mais nem menos. Sem autorização dos alunos, da escola e sem
nenhum respeito pelo direito à privacidade ou à imagem.
Era
o mesmo professor que, dias antes, vedara, por razões desconhecidas, a coleta
de imagens de sua aula.
Soube
por uma colega que o professor informara que filmaria a turma no dia da prova
para, no momento da correção, conferir quem olhou para o lado, o que, em si,
não contém nenhuma ilicitude.
Em
meio a teorizações sobre o movimento de cabeça de quem cola, afirmou que aquela
conduta fazia parte de sua rotina pedagógica.
Informada
por algum dos alunos, uma representante da coordenação do curso veio à sala
conferir e interpelar o professor sobre sua inusitada iniciativa. Com
arrogância e, de certa forma, desconcertado ao ter de explicar perante a coordenadora
e os próprios alunos seu bizarro misto de invasão de privacidade com lesão à
cidadania, o professor disse que tinha avisado a classe.
– Avisar não é ter a permissão! – gritou alguém, apimentando um pouco mais
a já constrangedora situação.
–
Vocês gravam minhas aulas! – redarguiu o dublê de advogado e professor.
A
verdade é que nada resultou do acalorado quiproquó, como sempre acontece nesses
confrontos onde a principal vítima é a cidadania. A tal mulher saiu sem tomar
nenhuma decisão, os mais de cem alunos presentes quedaram-se em constrangedor
silêncio e o professor, aparentemente, não foi desestimulado de sua
experiência.
Aparentemente,
porque, após severa reprimenda aos alunos, informados sobre “quem mandava na
sala”, acabou confessando que a câmera não estava filmando, informação que
piorou o clima entre estudantes e mestre.
Afinal,
entre alunos e professores adultos, em uma faculdade de Direito, não faz nenhum
sentido uma simulação como aquela, especialmente, porque gera desconfiança no
corpo discente e mostra insegurança pedagógica.
Sob
ameaça de que uma próxima prova seria mais rigorosa do que aquela, os alunos
terminaram a noite estranhando bastante o fato de alguém prometer em tom de
vingança fazer algo que é obrigado pelas normas educacionais e trabalhistas.
No
episódio, restou claro que o professor não tem segurança na aferição do que
ensinou e, a julgar pela falta de reação dos alunos, diante de uma flagrante
violação de seus direitos constitucionais, a turma não renderá advogados
combativos.
Não
defendo, aqui, o direito à cola e, sim, o direito de ter a imagem resguardada.
Pergunto-me
se valia a pena lutar sozinha ou com um ou dois alunos mais contra a iniciativa
do professor. Penso que o prejuízo seria meu, pois faria a prova de cabeça quente,
qualquer que fosse o resultado da pendenga.
Como
diria o antigo e respeitado mestre Pontes de Miranda, estava errado o professor.
Fiz
a prova, que tinha questões objetivas e a maior parte, dissertativas, sozinha
de pessoas, de livros, de internet – e, sobretudo, de professor.
Algumas
lições do episódio: um professor de Direito Constitucional que não respeita a
imagem e a privacidade de seus alunos; uma escola que, mesmo sabendo do fato,
não toma nenhuma decisão a respeito; 130 futuros advogados inertes diante da
vergonhosa violação de suas prerrogativas.
Vale
dizer: o simples conhecimento do direito não significa barreira quando se quer
violar direito alheio, nem autodefesa contra o arbítrio.
Para
encerrar, dois registros: primeiro, os fatos acima não são fictícios, embora a
fictícia liberdade de expressão que desfrutamos no Brasil me obrigue a
silenciar nomes e siglas.
E,
segundo: fui muito bem na prova, obrigada.
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