segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Ave, Ravel!


Há algum tempo, ouvi atentamente uma descrição que, na hora eu soube, ficaria guardada na memória como um sonho a se realizar.
De férias, alugamos um carro e saímos à procura da imagem de onde nasceu a tal descrição: um pôr-do-sol ao som de Bolero de Ravel. Era um passeio que não podia deixar de ser feito em João Pessoa. E lá fomos nós.
No caminho, um emaranhado de ruas, de carros e de gentes. Ser forasteiro tem lá seus contratempos. Mas, nada poderia nos impedir de assistir ao que tinha sido anunciado.
Quando chegamos ao tal lugar, o desconhecido somado à imagem que tínhamos na mente ia tomando uma proporção gigantesca tal qual o rio que corria a nossa frente. Entramos em uma das lanchonetes cuja estrutura fica dentro do rio e, apesar de ter um mundaréu de gente disputando um pedacinho de chão para ver um universo de água, achamos um lugar, sentamo-nos e a cortina foi se abrindo.
Majestoso, vimos o Sol, assustador de bonito. Um pouco pra lá da outra margem do rio Paraíba – lá onde há um triângulo amoroso entre céu, sol e horizonte - e maior do que costumamos ver no Mato Grosso do Sul, seu brilho brincava com as ondinhas do rio, criava um contraste de chiaroscuro de dar inveja a Rembrandt e nos envolvia em encantos mil.
Suave e lentamente, entraram no cenário as primeiras notas do Bolero de Ravel. O som de um sax alto começou a encher o arrebol e o murmurinho de tantos olhos curiosos aumentou e o sol brilhou um pouco mais e todo ser vivente naquele pedaço de mundo parou para reverenciar tamanha beleza.
Parece que o sol paraibano fica esperando o Bolero de Ravel para ceder lugar à noite que vai chegando de mansinho. O céu vai se pintando de uma cor rosada; as nuvens qual areia da praia cuja maré baixou se deixam colorir também e, na menina de cada olhar, há um brilho dourado que emana do íntimo de cada ser.
No meio do rio, como uma sombra pequenina, uma canoa e o saxofonista. Através dele, o som se espalha e alcança o recôndito de cada criatura.
Nenhuma palavra seria capaz de descrever exatamente o que se sente nesse momento. As palavras somem e a única coisa que se pode fazer é sentir. Porque sentir não carece de palavras. A alma da gente começa a encher de lágrimas; sentimo-la se curvar e se inebriar de cores, sons e emoções. A magia é tanta que quem viveu aquele momento sente vida nova dentro de si.
Ao fim do Bolero, já era noite. O sol se foi, a luz do dia apagou, mas o povo, em festa, continuava cantando a vida com todo o seu matiz.
Aos poucos, as palavras foram voltando... Comecei a pensar no meu Mato Grosso do Sul, no esplendor do Pantanal, nos rios tão ricos que não há outro igual. Terra de chalanas e amores, de trem do Pantanal e de coração que bate desigual...
Olhando aquele mar de gente, estrangeiros e brasileiros de todos os rincões, não posso deixar de comemorar o que é uma boa e simples ideia. Um rio, o pôr-do-sol, um saxofonista e um governo esperto que forneceu a infraestrutura...
Pensei no quanto de belezas naturais nós temos. Mais rios, mais bichos, pores-do sol mais rosados dos que o que vejo cá. Pensei nos músicos da nossa terra capazes de executar Ravel e Índia, Ave Maria e Trem do Pantanal. Pensei no valor que isso pode agregar ao turismo regional. No quanto a curiosidade pelas belezas do nosso estado será aguçada ao se espalhar aos quatro ventos que todo dia, por exemplo, às 18h, à beira do rio Paraguai em Corumbá, toca-se a música tal e mais uma ou duas músicas regionais.
Mesmo o mundo atual sendo regido pelo consumismo, muitas pessoas têm descoberto o valor de momentos como esse. Há uma conscientização lenta, mas progressiva de que o ter não é suficiente para satisfazer o ser humano. Está havendo um reconhecimento de que comprar é um grande buraco sem fundo: compra-se hoje um objeto, amanhã ele já não é mais novo e o consumista logo precisa colocar um novo objeto no lugar do que foi comprado ontem. Não há prazer genuíno nem duradouro. Não há nada nesse compra-compra que acarinhe a alma e traga-lhe sossego. Há, sim, uma eterna escravidão.
Artistas, vamos compartilhar a paz que há em nossa terra, seja na música, na poesia ou na pintura. Vamos dividir com o mundo o espetáculo que a natureza nos oferece e a oportunidade que ela nos dá de participar dele com nossos talentos. Vamos propagar o Pantanal do Mato Grosso do Sul com seus encantos e beleza!
Lavada e enxaguada, termino dizendo que é indescritível ver o sol se pondo ao som de Bolero de Ravel às margens do Paraíba em João Pessoa. Espetáculo de rasgar a alma de tanta emoção. Poético até a última gota daquela imensidão de água. Poético até a inquietante última nota do Bolero. Imagens que levarei comigo para sempre.
E agora, depois de ter presenciado aquele espetáculo dos deuses, tenho certeza de que podemos fazer nosso próprio espetáculo. Sei que cada imagem que propiciarmos ao mundo ficará cravada na alma de quem a vir. Sei que isso é mais do que turismo; é dar a oportunidade de as pessoas conhecerem o prazer no que é imaterial e que, por isso mesmo, é eterno.






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