Há algum
tempo, ouvi atentamente uma descrição que, na hora eu soube, ficaria guardada
na memória como um sonho a se realizar.
De férias,
alugamos um carro e saímos à procura da imagem de onde nasceu a tal descrição:
um pôr-do-sol ao som de Bolero de Ravel. Era um passeio que não podia deixar de
ser feito em João Pessoa. E lá fomos nós.
No caminho,
um emaranhado de ruas, de carros e de gentes. Ser forasteiro tem lá seus
contratempos. Mas, nada poderia nos impedir de assistir ao que tinha sido anunciado.
Quando
chegamos ao tal lugar, o desconhecido somado à imagem que tínhamos na mente ia
tomando uma proporção gigantesca tal qual o rio que corria a nossa frente.
Entramos em uma das lanchonetes cuja estrutura fica dentro do rio e, apesar de
ter um mundaréu de gente disputando um pedacinho de chão para ver um universo
de água, achamos um lugar, sentamo-nos e a cortina foi se abrindo.
Majestoso, vimos
o Sol, assustador de bonito. Um pouco pra lá da outra margem do rio Paraíba –
lá onde há um triângulo amoroso entre céu, sol e horizonte - e maior do que
costumamos ver no Mato Grosso do Sul, seu brilho brincava com as ondinhas do
rio, criava um contraste de chiaroscuro
de dar inveja a Rembrandt e nos envolvia em encantos mil.
Suave e
lentamente, entraram no cenário as primeiras notas do Bolero de Ravel. O som de
um sax alto começou a encher o arrebol e o murmurinho de tantos olhos curiosos
aumentou e o sol brilhou um pouco mais e todo ser vivente naquele pedaço de
mundo parou para reverenciar tamanha beleza.
Parece que o
sol paraibano fica esperando o Bolero de Ravel para ceder lugar à noite que vai
chegando de mansinho. O céu vai se pintando de uma cor rosada; as nuvens qual
areia da praia cuja maré baixou se deixam colorir também e, na menina de cada olhar,
há um brilho dourado que emana do íntimo de cada ser.
No meio do
rio, como uma sombra pequenina, uma canoa e o saxofonista. Através dele, o som
se espalha e alcança o recôndito de cada criatura.
Nenhuma
palavra seria capaz de descrever exatamente o que se sente nesse momento. As
palavras somem e a única coisa que se pode fazer é sentir. Porque sentir não
carece de palavras. A alma da gente começa a encher de lágrimas; sentimo-la se
curvar e se inebriar de cores, sons e emoções. A magia é tanta que quem viveu
aquele momento sente vida nova dentro de si.
Ao fim do
Bolero, já era noite. O sol se foi, a luz do dia apagou, mas o povo, em festa, continuava
cantando a vida com todo o seu matiz.
Aos poucos,
as palavras foram voltando... Comecei a pensar no meu Mato Grosso do Sul, no
esplendor do Pantanal, nos rios tão ricos que não há outro igual. Terra de chalanas
e amores, de trem do Pantanal e de coração que bate desigual...
Olhando
aquele mar de gente, estrangeiros e brasileiros de todos os rincões, não posso
deixar de comemorar o que é uma boa e simples ideia. Um rio, o pôr-do-sol, um
saxofonista e um governo esperto que forneceu a infraestrutura...
Pensei no
quanto de belezas naturais nós temos. Mais rios, mais bichos, pores-do sol mais
rosados dos que o que vejo cá. Pensei nos músicos da nossa terra capazes de
executar Ravel e Índia, Ave Maria e Trem do Pantanal. Pensei no valor que isso
pode agregar ao turismo regional. No quanto a curiosidade pelas belezas do
nosso estado será aguçada ao se espalhar aos quatro ventos que todo dia, por
exemplo, às 18h, à beira do rio Paraguai em Corumbá, toca-se a música tal e
mais uma ou duas músicas regionais.
Mesmo o mundo
atual sendo regido pelo consumismo, muitas pessoas têm descoberto o valor de
momentos como esse. Há uma conscientização lenta, mas progressiva de que o ter
não é suficiente para satisfazer o ser humano. Está havendo um reconhecimento
de que comprar é um grande buraco sem fundo: compra-se hoje um objeto, amanhã
ele já não é mais novo e o consumista logo precisa colocar um novo objeto no
lugar do que foi comprado ontem. Não há prazer genuíno nem duradouro. Não há
nada nesse compra-compra que acarinhe a alma e traga-lhe sossego. Há, sim, uma
eterna escravidão.
Artistas,
vamos compartilhar a paz que há em nossa terra, seja na música, na poesia ou na
pintura. Vamos dividir com o mundo o espetáculo que a natureza nos oferece e a
oportunidade que ela nos dá de participar dele com nossos talentos. Vamos
propagar o Pantanal do Mato Grosso do Sul com seus encantos e beleza!
Lavada e
enxaguada, termino dizendo que é indescritível ver o sol se pondo ao som de
Bolero de Ravel às margens do Paraíba em João Pessoa. Espetáculo de rasgar a
alma de tanta emoção. Poético até a última gota daquela imensidão de água.
Poético até a inquietante última nota do Bolero. Imagens que levarei comigo
para sempre.
E agora,
depois de ter presenciado aquele espetáculo dos deuses, tenho certeza de que
podemos fazer nosso próprio espetáculo. Sei que cada imagem que propiciarmos ao
mundo ficará cravada na alma de quem a vir. Sei que isso é mais do que turismo;
é dar a oportunidade de as pessoas conhecerem o prazer no que é imaterial e
que, por isso mesmo, é eterno.
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