Mês depois do início da vigência da PEC das
Domésticas, o que tenho ouvido à boca miúda é que o tiro saiu pela culatra.
É comum ouvir “A Fulana já está conosco tanto tempo que nós
a tratamos como se fosse da família!”, mas o que tenho visto é que, apesar de
dizerem isso, patrões que nunca pagaram nenhum benefício antes da PEC
aproveitaram o momento para mandarem aquele membro da família embora.
A verdade é que, se fosse da família mesmo, isso não
precisaria ser dito. Se fosse da família mesmo, não precisaria ficar labutando
tantos anos para só então ser apresentada “como se fosse da família”. Se fosse
da família mesmo, jamais seria convidada a se retirar, com PEC ou sem PEC.
Foi votada a implementação de todos os direitos trabalhistas
aos empregados domésticos sem se levar em conta que o salário, além de ser a
remuneração pelo uso que se faz da energia daquela pessoa, está intimamente
ligado à formação e ao ganho que se tem com o serviço desempenhado por aquele
empregado. A pergunta é: o que as famílias lucram com o serviço doméstico? Que
formação esse empregado tem a ponto de conseguir coordenar as tarefas diárias e
executá-las sem necessidade de o patrão dar as orientações diariamente?
Evidente que, constitucionalmente, todos os trabalhadores
têm os mesmos direitos, mas têm também os mesmos deveres. Ninguém levou em
conta que trabalhadores Brasil afora pagam por todas as suas refeições, não
tomam banho no serviço, não lavam suas roupas no serviço, não moram no emprego
e ganham salário mínimo também. Ninguém levou em conta que os empregados
domésticos tinham tudo isso sem ser descontado deles um único centavo. Ninguém
pensou que o horário do trabalhador doméstico obedecia ao ritmo da casa que, em
alguns casos começava mais cedo ou mais tarde do que o horário comercial,
obviamente, porque não tem a ver com um trabalho comum, mas sim com as
necessidades de uma família e nem por isso o trabalhador ficava noite adentro
envolvido com afazeres domésticos.
Tudo que se quis foi conceder todos os direitos a essa
classe, mas ninguém sequer lhes advertiu que, com essa montanha de direitos,
vinha também outra montanha de deveres como a de pagar por tudo que usam.
Soube de alguns casos em que a doméstica, ao ser comunicada
pelo patrão de que havia novas regras a partir de então, direitos e deveres que
ela passaria a ter, foi ele inquirido sobre o dever de pagar por tudo que ela gasta
consigo mesma como se o patrão estivesse mentindo, inventando lei.
Soube de outra que, mesmo não sendo cobrada dela as
refeições, chega ao emprego uma hora antes do início da jornada, mas deixa para
tomar o café com ovos e mortadela fritos após o início do horário de serviço.
Dar aos domésticos os direitos trabalhistas implica
cobrar-lhes postura extremamente profissional em relação ao serviço
desempenhado e, infelizmente, muitos deles não conseguem sequer assinar o livro
ponto.
A partir de agora, o certo é ter qualificação para ser um
trabalhador doméstico. Saber como clarear uma roupa branca sem deixá-la amarela,
tirar manchas de roupas coloridas sem desbotá-las. Entender que o calor desbota
as roupas e, portanto, devem ser penduradas e passadas do lado avesso. Limpar a casa sem deixar que janelas e móveis
brancos fiquem amarelos. Usar a água e produtos de limpeza sem desperdício. Saber
cozinhar algo além de feijão, arroz e bife borrachento...
A partir de agora não é só aproveitar a ausência dos patrões
e a necessidade da família de ter alguém em casa para fazer atividades
domésticas, para receber o encanador, para preparar o almoço dos guris que vêm
da escola famintos e logo partem para as atividades vespertinas e fazer tudo de
qualquer jeito e no início do mês receber o salário integralmente. Agora, as
faltas sem justificativa, a roupa e o sofá estragados pelo trabalhador
doméstico podem ser descontados do salário.
Agora, aquele trabalhador que tinha uma esperança de ser
tratado como membro da família alcançou o status de trabalhador como todos os
outros e os outros são só trabalhadores comuns. Nada mais.
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